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A nova Ecopista do Alentejo Central: Évora - Reguengos.

Atualizado: 23 de mai.

Já é possível pedalar de Évora a Reguengos de Monsaraz pela nova ecopista (calma, que ainda não foi oficialmente inaugurada) construída sob o antigo ramal ferroviário que permitia viajar de comboio entre estas duas localidades.


Texto e fotos de P. Guerra dos Santos, com citações de Sandra Vindeirinho (textos a azul e itálico).


Antigo corredor ferroviário do Ramal de Reguengos. Próximo da antiga Estação de Comboios de Machede.


Desde meados do ano passado que sabia, pela página da Infraestruturas de Portugal, das obras de adaptação do antigo Ramal de Reguengos. Mas mais atenção vinha a dar desde o início deste ano, ao acompanhar as publicações nas redes sociais de alguns eborenses adeptos dos passeios em bicicleta. Aos poucos tornou-se evidente que este antigo corredor ferroviário de bitola ibérica - que chegou a chamar-se Linha do Guadiana e teve serviço de passageiros entre 1927 e 1988 - estava já totalmente ciclável, ainda que não houvesse qualquer promoção oficial disso mesmo.


Com ajuda dos amigos João Matos (que percorreu todo o corredor desde o centro de Évora e me enviou o track GPS) e do Roberto Sousa (que por lá passou numa viagem pelo Alentejo raiano e me enviou fotos) pude antecipadamente colocar esta nova ecopista na Edição de 2024 da Rede Nacional de Cicloturismo. Mas ficava ainda assim a faltar o principal: ir lá pedalar e validar eu próprio esta nova secção da rede e, claro, descobrir mais um pouco do Alentejo Central.

E nem de propósito, um casal amigo do Canadá voltou a Portugal para por cá pedalar pela segunda vez, desta vez de Santarém a Évora, num passeio maioritariamente junto à raia e com términus, precisamente, pela nova ecopista. Esse facto acabou por antecipar a minha ida até lá. E ainda bem!


Gare do Oriente e lugar próprio para a bicicleta dentro do IC 790 de Lisboa a Évora.


"A chuva apareceu, assim que pus o pé fora do comboio em Évora, com a máquina holandesa às costas. É sempre um filme subir e descer das carruagens com um trambolho de 26 quilos (eBike).

Esqueci rapidamente a tormenta, quando cheguei ao quilómetro zero da antiga linha ferroviária, transformada agora em puro prazer para quem gosta de pedalar em total comunhão com a natureza."

   Tal como qualquer viagem em bicicleta que faço, o passeio começa (quase) sempre numa estação de comboios. Desta vez foi na Gare do Oriente, de onde arranca o comboio Intercidades para Évora. Com local próprio para bicicletas, o IC demora pouco mais de 1:30h entre estas duas capitais: a de Portugal e a do Alentejo Central.

Em dias úteis há 5 comboios para cada lado. Ao fim-de-semana - estranhamente e quando há mais visitantes e turistas - há menos comboios. Os gestores da CP vão ao ponto de, aos sábados e domingos, retirarem o primeiro comboio da manhã, o das 07:02h, que permitiria chegar ainda cedo a esta cidade património da humanidade e pedalar pela fresca até Reguengos.


Mas seguindo viagem ...


Chegado à cidade da Capela dos Ossos, não fosse eu munido de track gps e NUNCA encontraria o início da ecopista.


Zero informações sobre a mesma! Mas é natural que assim seja, pois a ecopista é apenas parte de uma obra maior, que inclui remodelações no interior da cidade e que ainda estão a decorrer. Esperemos assim pelo resultado final.


Acresce que o início da ecopista fica a 3 km da estação de comboios, já bem fora da cidade, uma vez que boa da parte inicial deste antigo corredor foi convertido em caminho de serventia paralelo ao novíssimo Corredor Internacional Sul (que quando estiver terminado levará comboios rápidos até Badajoz. É o que dizem.) mas está agora vedado ao público! Uma pena, pois obriga a uma volta tremenda para lá chegar.


Mas não fica por aqui a maneira lusa de promover o ambiente e a mobilidade sustentável: a foto em baixo mostra a "beleza" e o cuidado que houve com a promoção do km 0.0 da ecopista. Não se assustem muito senhoras e senhores, um passarinho disse-me que esta foi uma espécie de obra low cost arrancada a ferros por quem tem sensibilidade para projectos de valorização ambiental. Vá, menos mal, antes ter isto que nada. Digo eu!


   Km 0.0 da Ecopista de Évora Reguengos, a cerca de 3 km da estação de comboios de Évora.


   Mas vamos então às pedaladas pela (ainda por terminar) Ecopista de Évora a Reguengos.


"O piso é de gravilha fina, as grandes pontes metálicas centenárias foram reconvertidas para a passagem em segurança. O percurso é sempre plano, explodindo de cor, predominantemente lilases e amarelos, ora entre os campos de azinheiras, ora quebrando a monotonia das grandes vinhas e dos olivais."

 

Os primeiros quilómetros são algo monótonos, com extensas rectas e a envolvente cénica sem grandes montes ou montados. O pavimento é todo ele em macadame, polvilhado com gravilha fina solta (prefiro pavimentos sólidos do tipo slurry, um agregado britado fino com ligante de base resinosa).


Na maior parte do percurso não retiraram as travessas de madeira (nada contra) tendo apenas retirado o carril e colocado e compactado cerca de 15 a 20 cm do novo pavimento por cima destas. Está na generalidade em bom estado em todo o percurso, com apenas um ou outro ponto e ter sofrido erosão por drenagem superficial das águas pluviais (apesar de diversas passagens hidráulicas terem sido construídas, parece que fazem falta mais algumas) ou pela passagem de tratores entre terrenos, actividade que já acontecia no tempo em que ainda havia comboios. Há que passar de um lado para o outro da linha e até mudar o gado de pastagem. Não se admirem por isso de ver umas valentes bostas em algum lado. É isto o Alentejo! Por isso é que o amamos incondicionalmente.


  Ecopista de Reguengos, próximo do km 8.0.


Linhas de água

"A passagem por diversos rios, ribeiras e açudes aumenta os pontos de interesse, nomeadamente nas pontes"

É já ao km 7.0 que começamos a sentir um Alentejo mais tradicional e afastado do reboliço urbano, com zonas em aterro/escavação e rectas mais curtas.

A envolvente cénica começa a ser composta por pequenos montes e montados, criação de gado e herdades isoladas e, por ser Primavera, as bermas estão carregadinhas de flores de variadíssimas cores, formatos e tamanhos. Um regalo para a alma.


A passagem por diversos rios, ribeiras e açudes aumenta os pontos de interesse, nomeadamente nas pontes. Há duas de estrutura metálica em arcos segmentados (numa delas há um ninho de um família residente de cegonhas) e uma de alvenaria, à qual ainda falta colocar a guarda de segurança de um dos lados. Cuidado com o perigo de queda nesta última, principalmente se levarem crianças.


   Ponte sobre a Ribeira do Vale do Vasco, com passadiço metálico novo e ninho de cegonhas.


Ninho de cegonhas. Atravesse a ponte devagar. Desta forma poderá observar durante mais tempo as cegonhas, que levantam sempre voo à passagem de ciclistas.


Pelo caminho avistam-se algumas antigas estações de comboios, umas recuperadas e outras em fase de recuperação, bem como alguns apeadeiros notando-se que há o esforço em recuperar este património ferroviário, pelo que deverá ainda demorar algum tempo para que tudo esteja apresentável. Na Estação de Machede está lá ainda o antigo depósito de água, que abastecia as locomotivas a vapor. Já vestígios de material circulante, de qualquer tipo, não vi.


   Antiga passagem de nível, a 3 km de Machede. Espero que o carril por lá continue e sempre visível, para relembrar aos visitantes a histórica ferroviária deste corredor. Vá, com algumas medidas de acalmia de tráfego (para os automobilistas, entenda-se) a serem recomendáveis.


Ao km 23.0 saio pela primeira vez da ecopista, para avistar as ruinas do Castelo de Valongo. Está em propriedade privada, cercado por uma extensa vinha e lá bem no alto do monte.


   Ruinas do Castelo de Valongo.


"Assumindo-me recolectora da Primavera, os alforges vinham carregados de flores silvestres, quando dei entrada em Montoito.

Ser mulher, montada numa bicicleta, colorida das vestes da Primavera, intimidou desde logo os habitantes da vila, instruídos para não darem confiança a estranhos, porque "as burlas aos idosos andam por aqui".


   *Foto de Sandra Vindeirinho.


Regresso ao corredor e percorro mais 4.5 km até chegar à antiga estação de Montoito. Esta é a primeira aldeia próxima da ecopista desde que saí de Évora, pelo que decido fazer um pequeno desvio para ir até ao centro refrescar. Tem lá cafés e até um restaurante bem catita. E claro, diversos alojamentos locais caso queiram aqui pernoitar. Estamos já a 11 km de Reguengos.


Por fim, percorro os quilómetros finais, passando pela Caridade e, logo de seguida, chegando ao final da ecopista, ao km 38 (o meu gps deu 39 km), localizado no extremo sudoeste da agora cidade de Reguengos de Monsaraz.

Era vila, no tempo em que tinha transportes ferroviários. Dá por isso ideia que em Portugal, quanto mais ferrovia se destrói, mais se sobe de categoria.


"Até Reguengos de Monsaraz, há a registar raros encontros fugazes com, a saber: duas cobras, uma lebre, uma cegonha, um escaravelho, borboletas, pássaros e um ciclista apressado. Os sons, o silêncio das pedras, da trovoada e do vento, não conto. Cravei-os no coração só para mim."



   Antiga Estação de Comboios de Reguengos de Monsaraz.


Em suma: o Alentejo Central não desilude pelas envolventes cénicas que proporciona em qualquer passeio, ainda para mais sem trânsito automóvel nesta que é, à data, a mais longa ecopista no sul do país. E relembro que há muitos mais quilómetros de via férrea desactivada para recuperar por estas bandas, nomeadamente a famosa "Estrela d'Évora", um antigo entroncamento ferroviário de várias linhas.


O senão: como ainda não foi oficialmente inaugurada pois faltam as guardas de segurança numa das pontes bem como sinalização de cruzamento nas diversas estradas ao longo de todo o percurso (entre outras pequenas coisas) em alguns troços a ecopista está já a ser invadida pela vegetação rasteira, estando em alguns sítios espremida e convertida quase em caminho de pé posto. O corredor tem, em regra, 2.50m de largura.


  Ecopista próximo de Montoito com a vegetação a invadir o corredor. Confesso que até gosto de caminhos de pé posto, desde que em bom estado para rolar em bicicleta.


Ah!, e claro, não podiam faltar os obstáculos sob a forma de estacas de madeira à passagem por estradas e caminhos. Percebe-se desta forma que, à semelhança com outras ecopistas, ecovias e ciclovias um pouco por todo o país, não deve ter havido um engenheiro especializado em projecto de estradas na equipa que concebeu/idealizou o projecto de execução desta via. Além disso, muitas destas infraestruturas acabam (erradamente) no departamento de desporto ou do ambiente das câmaras municipais, o que as secundariza por completo enquanto vias de comunicação ou estradas de excelência para a mobilidade suave.


  Cruzamento da ecopista com a principal estrada de acesso a Caridade. Obstáculos de madeira que potenciam quedas e dificultam a passagem de atrelados de crianças bem como total ausência de medidas de acalmia de tráfego ou de sinalização horizontal e vertical para quem circula na estrada, o que potencia eventuais colisões carro/bicicleta.


No regresso tive a companhia do amigo João Matos, que gentilmente pedalou comigo de volta a Montoito e me deu mais alguma informação sobre o Alentejo, os alentejanos e os novos estilos de cultura que estão a mudar por completo o coberto vegetal desta região.


De Montoito regressei, no dia seguinte, com um casal de amigos do Canadá que decidiram que Portugal (e o Alentejo em particular) seria a sua última grande viagem de bicicleta pelo mundo. Não saíram desiludidos com a sua decisão.


Termino congratulando as pessoas que, não sendo as mais habilitadas para a concepção/concretização de uma estrada para mobilidade suave (as ciclovias e ecopistas são estradas, têm de ser tratadas como tal e pelos departamentos com competências em projecto/obra de estradas) tiveram a capacidade e força dentro das diversas instituições envolvidas (Comunidade InterMunicipal do Alentejo Central, Câmaras Municipais e Infraestruturas de Portugal) para fazer acontecer esta obra que, suspeito, estará inacabada por algum tempo.

Parabéns a essas pessoas (tive oportunidade de falar com algumas) por nos permitirem já hoje tão bons momentos de prazerosas pedaladas pelo ancestral Alentejo.



"Que Flor é essa, Amiga, que Flor é essa.?


Cuco? Junquilho? Dente de cão? Favo de mel? Língua de vaca?

No largo da Junta de Freguesia, os alentejanos do Montoito esforçaram-se nos palpites, dando nomes ao que cresce no seu quintal. Espantados por terem um mundo de cores desconhecidas a seus pés. Como se o não vissem, todos os dias. É preciso sair da ilha, para ver a ilha, já sabemos ...

No regresso a casa, trago dois pezinhos de Primavera, um de alfazema, outro sem nome. Chamemos-lhe Ana, que é um palíndromo bonito. O vaso grande da oliveira, já está em flor para os receber. Porque Abril é o mês certo para juntar espécies diferentes e ter esperança que floresçam em conjunto."


Mapas e tracks GPS da Rede Nacional de Cicloturismo, incluindo a secção 15.5 que engloba a ecopista de Évora -Reguengos, disponíveis aqui »


Boas viagens em bicicleta !

P. Guerra dos Santos

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