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Foto do escritorPaulo Guerra dos Santos

Póvoa - Famalicão: A ecopista (quase) perfeita.

Atualizado: 7 de jun.

Já a tinha percorrido há uns bons anos, estava toda ela ainda em terra. Agora, os quase 30 km do antigo Ramal de Famalicão estão asfaltados na sua totalidade. Que maravilha de piso e de envolvente cénica.

E poderia ser perfeita, não fossem os cruzamentos com as estradas nacionais serem uma espécie de filme de terror ao ar livre, tanto para miúdos como graúdos. Horrível!


Texto e fotos: P. Guerra dos Santos.

Ecopista da Póvoa de Varzim a Vila Nova de Famalicão, próximo de Fontaínhas.


Há já algum tempo que queríamos lá ir com os miúdos, pelo que aproveitámos a deixa do dia da bicicleta para fazermos um passeio de dois dias. Foi mesmo nas calmas. No primeiro dia foram 20 km de Vila Nova de Famalicão a Laúndos (dormida lá em cima no Hotel de São Félix) e 10 km no dia seguinte até à Póvoa de Varzim.


Vamos então ao passeio.


Saímos de casa no domingo pelas 08:00h, para apanhar o InterRegional das 08:27h. Apesar de demorarmos apenas 5 minutos a chegar à estação, com dois pequenos terroristas de 3 e 7 anos (o mais novo ainda segue na cadeirinha) não convém facilitar. E queríamos mesmo que fosse este comboio, pois é composto pelas recentemente (e muito bem) recuperadas carruagens ARCO, adquiridas há uns anos à Renfe.

E porquê este? Porque tem uma carruagem inteirinha dedicada à mobilidade suave e à mobilidade reduzida. Para além de espaço dedicado a quem se desloque em cadeira de rodas ou transporte um carrinho de bebé, tem ainda espaço para 8 bicicletas. Leu bem: OITO BICICLETAS! Uma maravilha de carruagem, bem espaçosa até para os miúdos correrem de um lado para o outro. E já lá seguia outro passageiro com bicicleta.


Carruagem ARCO com capacidade para 8 bicicletas. As nossas são as 3 da direita, uma delas com a cadeirinha onde transportamos o José, de 3 anos.


De referir a surpreendente boa disposição e simpatia de ambos dos revisores que tanto à entrada como à saída deram uns segundinhos a mais para subirmos e descermos em segurança com as bicicletas, alforges e restante tralha. Ah! e sem esquecer os putos, claro.


Já em Famalicão, para grande surpresa somos recebidos por um belíssimo arruamento com ciclovia logo à saída da estação (coisa rara neste país). Ela segue para o centro da cidade, mas alguns metros à frente viramos à esquerda para o início da ecopista. Incrível esta ligação, pois em diversas ecopistas deste país é preciso um telescópio espacial para descobrirmos o seu início.


   Arruamento de acesso nascente à estação de comboios de Famalicão.


   Em poucos metros chegamos ao início da ecopista. E mais uma muito boa surpresa: o atravessamento da via de acesso norte à estação foi incrivelmente bem planeado (e muito bem executado) pela Câmara Municipal de Famalicão. Vede senhoras e senhores, como se faz uma passagem de peões e ciclistas de elevada visibilidade e com grande eficácia na acalmia do tráfego automóvel!

Parabéns aos técnicos que trabalharam ao pormenor esta passagem e aos agentes políticos pelo suporte a tal. Só lhe falta mesmo um pequeno detalhe, mas que não lhe retira o mérito do conforto e segurança aos utilizadores vulneráveis: o sinal vertical a indicar a aproximação da passagem para ciclistas, já que a pintura (e muito bem visível) está lá.


Passagem de peões e ciclistas, com semáforo controlado por velocidade e por botoneira.


Uns 700 metros mais à frente a ecopista volta a cruzar esta estrada, tendo existido igual cuidado na semaforização da passagem de peões e ciclistas. Parabéns mais uma vez aos envolvidos no projecto de execução destas passagens.

Mas não se excitem demasiado minhas caras e meus caros, pois há más notícias nos cruzamentos da ecopista com estradas nacionais.


Mas continuemos focados nas pedaladas.


A ecopista inicia-se paralela à via da foto, que sobe por forma a chegar ao viaduto que passa por cima da Linha do Minho indo apanhar lá mais à frente o antigo corredor deste ramal. E (talvez) por ser domingo, são às resmas as pessoas a pé e em bicicleta por aqui. Não exagero se usar mesmo a palavra multidões. Gente de todas as idades a pé, de bicicleta, de trotineta, com crianças, com carrinhos de bebé, famílias inteiras, grupos de amigos e até mochileiros por aqui andam. Incrível. Não estava à espera disto pois, ao que me lembro, nunca apanhei tal entusiasmo na utilização deste tipo de infraestruturas em Portugal.


O pavimento é em asfalto, não colorido (excelente), em toda a extensão do corredor que tem cerca de 2.50 metros de largura. Sensivelmente a um metro da berma, em quase toda a extensão da ecopista, existe uma linha branca a tracejado (Lbt, em linguagem técnica) que delimita a zona para peões e a zona para ciclistas. É em regra respeitada por todos, mesmo com grupos grandes. Arvoredo diverso incluindo plátanos, carvalhos e sobreiros fazem a tão desejada sombra e envolvente cénica. E não são assim tão raros em todo o traçado. E eucaliptos, claro!


Ecopista Póvoa - Famalicão, ainda no concelho de Famalicão.


Seguimos assim descansados da vida a ritmo slow travel, a apreciar as paisagens. Bom, não totalmente descansados, pois aqui e ali temos de cruzar estradas nacionais, sem qualquer sinalização ou medidas de acalmia de tráfego. Falarei delas, no final deste texto.


   Ecopista Póvoa - Famalicão, próximo de Gondifelos.


Traçado geométrico.

"Tal como qualquer ecopista deste país, a dada altura torna-se um pouco monótona em termos de traçado."

Ao longo do caminho nunca nos sentimos demasiado isolados, seja pela quantidade de gente que por aqui anda, seja por estarmos quase sempre ladeados por lugarejos, povoados, aldeias, criação de gado e terrenos de cultivo diverso. O mapa do GPS identifica até alguns cafés bem próximos da ecopista, pelo que é só desviar um pouco para refrescarmos e aliviarmos durante alguns minutos a pressão nos glúteos causada pelo selim. O piso em asfalto ajuda ao silêncio, quebrado aqui e ali por curtos troços em paralelos, nas zonas onde há passagens de tratores e alfaias agrícolas bem como um ou outro caminho florestal.


Tal como qualquer ecopista deste país, a dada altura torna-se um pouco monótona em termos de traçado. Por estes serem antigos ramais ferroviários, a sua geometria é quase sempre constituída por longas rectas seguidas de curvas de grande raio, pelo menos na perspectiva de quem viaja a 10 km/h. Por isso mesmo desenhei um track que a dada altura sai da ecopista para ir visitar as Azenhas de Penices, junto ao Rio Este.

E em boa hora o fiz já que esta é uma zona bem agradável, fresca e os acessos estão arranjados de novo, com a estrada toda ela em calçada grossa (vulgo paralelos). E não lhe falta um belo café. É o desvio perfeito e praticamente não acrescenta grande distância ou acumulado de altitude ao passeio. Maravilha !


   Azenhas de Penices, junto ao Rio Este.


Entramos finalmente no concelho da Póvoa de Varzim, perto da aldeia de Balazar. E notamos logo pela diferença no traçado: 2 longas rectas seguem-se, uma delas com 4 km, até contornarmos o Monte de São Félix. A presença deste monte, do lado de esquerdo de quem vem de Vila Nova de Famalicão, ajuda a quebrar a monotonia do traçado.


Logo após a curva junto ao parque industrial de Laúndos saímos da ecopista e "escalamos" os cerca de 150 metros de desnível desde cá de baixo até lá acima à Capela de São Félix. Desenhei um track que dá uma volta maior por forma a suavizar as inclinações, que rondam os 3-5%, excepto na parte final que chegam aos 10%. Foi um minuto com a bicicleta à mão, nada de grave.

Mas o esforço é compensado pela vista brutal para a Póvoa de Varzim e Atlântico. E claro, pela piscina do hotel, que isto do turismo em bicicleta não é só suor, pó, mosquitos e quilómetros.


   Piscinas e vista do Hotel de São Félix, com a Póvoa de Varzim em fundo.


Nota: A generalidade dos hotéis, dada a elevada procura aos fins-de-semana (noites de sexta e de sábado) têm em regra preços mais elevados para estas noites. Por isso reservámos a noite de domingo para segunda, tendo conseguido um preço cerca de 40% inferior ao das noites anteriores. A flexibilidade de datas tem por isso enorme vantagem quando se passeia.


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No dia seguinte, depois de um pequeno almoço continental, descemos de novo à ecopista para rumar ao Atlântico, e desta vez por uma recta ainda maior: são praticamente 8 km a direito, com uma muito ligeira inflexão pelo caminho.


   Ecopista Póvoa - Famalicão à saída de Laúndos.


Um dos aspectos muito interessantes desta ecopista é que ao longo de toda a sua extensão tem iluminação pública em lâmpadas LED, o que permite a sua utilização à noite em condições de segurança. Ainda assim questiono-me sobre o consumo energético destas, estando ligadas 365 noites por ano (mais uma noite em anos bissextos). Talvez no futuro possam investir em micro-painéis solares para alimentar cada candeeiro, como se vê nos troços recentemente recuperados da Ecopista do Tua. O investimento em tal tecnologia seria largamente compensado com o custo zero gasto em energia, em apenas alguns anos.


   Neste troço final, dada a proximidade com a dinâmica urbana, empresarial e industrial da Póvoa de Varzim, começam a notar-se os cruzamentos com diversos tipo de arruamentos, bem como um tráfego automóvel mais intenso.


E assim finalmente chegámos à antiga estação de comboios da Póvoa de Varzim, agora estação terminal da Linha Vermelha do Metro do Porto.

Estação terminal do Metro e final da ecopista. Póvoa de Varzim.


E uma vez na Póvoa, não quisémos deixar passar a oportunidade de experimentar o serviço de Bike-Táxi da Brito Bike Travel. O Lino foi extraordinário no serviço, hiper cuidadoso com a colocação das bicicletas nos suportes e conversador. Foi um prazer ir a falar com ele sobre viagens e passeios em bicicleta. Ah! E claro, é mesmo muito agradável ser transportado até à porta de casa.


Ficámos fãs deste tipo de serviço, que recomendo.


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Considerações finais.


Esta é uma muito boa infraestrutura para mobilidade suave. Satisfaz em pleno tanto quem a utiliza para uma caminhada ou passeio no final da tarde, como quem se exercita ou viaja em bicicleta a percorrer distâncias longas. Tem uma envolvente cénica variada, das serras de baixa altitude a campos agrícolas, bem como um pavimento asfaltado em muito bom estado, o que a torna um excelente pólo de atracção turística (um hotel da região facturou connosco graças à sua existência, bem como dois restaurantes e alguns cafés).

É de fácil acesso para quem vem de longe, pois podemos chegar a Vila Nova de Famalicão usando os comboios da CP ou à Póvoa de Varzim usando o Metro do Porto (aqui com maior limitação de espaço, dependendo da hora de ponta).

Tem iluminação em todo o traçado e as barreiras em "U" invertido para proibir os veículos automóveis de entrar na ecopista não impedem a fácil passagem das bicicletas, mesmo com atrelado para crianças, sendo ainda bastante eficazes como medida de acalmia das velocidades dos ciclistas mais apressados à passagem por cruzamentos com vias de tráfego automóvel, obrigando-os a fazer a chicane e a aproximação ao cruzamento a velocidade lenta (pena não existiram tais medidas para os condutores de automóvel em alguns cruzamentos nas estradas nacionais, para que estes sejam forçados também a abrandar).

Nota positiva para as câmaras municipais de Vila Nova de Famalicão e da Póvoa de Varzim, pois nas estradas sob a sua alçada (arruamentos locais, municipais e variantes) trabalharam relativamente bem a generalidade dos cruzamentos entre a ecopista e as estradas para o restante tráfego automóvel, em função do volume de tráfego destas. Existem alguns aspectos a melhorar, nomeadamente a inexistência do sinal vertical de trânsito A17, que alerta os condutores para a saída/travessia de ciclistas nos cruzamentos.


Exemplos de cruzamentos da ecopista com vias de tráfego automóvel. A contar da esquerda: semáforos activados por excesso de velocidade ou botoneira em via urbana estruturante, passagem de peões e ciclistas em arruamento municipal e dupla lomba redutora de velocidade em variante municipal.



E agora vem a nota EXTREMAMENTE negativa: ao longo da ecopista existem 4 cruzamentos com estradas nacionais (3 cruzamentos com a EN206 e 1 cruzamento com a EN204), todos eles sem qualquer medida de acalmia de tráfego para os automobilistas. Um deles classifico-o mesmo como tendo um elevado potencial de morte de peões e ciclistas. E até de condutores, dependendo da velocidade da colisão.

  Cruzamento de nível entre a ecopista e a EN206 em zona de curva, com taludes do lado direito e muro do lado esquerdo (visível na foto), em zona sem berma e sem qualquer sinalização ou medida de acalmia de tráfego automóvel. É impossível avistar a aproximação de veículos com a necessária distância de segurança. Atravessar aqui é altamente problemático. Com crianças é um filme de terror.


O grande paradoxo: tanto as estradas nacionais como os corredores ferroviários (incluindo os desactivados e convertidos em ecopistas) estão sob a alçada da mesma empresa: a Infraestruturas de Portugal (fusão resultante da Estradas de Portugal e da REFER).

Ora, esta é a empresa que gasta milhões de euros todos os anos a contruir passagens desniveladas sobre as linhas de comboio, precisamente para anular a possibilidade de colisão entre comboio e automóveis, mas não gasta alguns milhares de euros em medidas que tenham o mesmo objectivo na intersecção das estradas nacionais com os corredores ferroviários desactivados (e convertidos em ecopistas), ambas infraestruturas pelas quais é responsável.

Não consigo encontrar explicação para tamanho paradoxo. Alguém?


Questiono por isso os meus colegas engenheiros de projecto rodoviário/estradas que trabalham na Infraestruturas de Portugal o porquê de tamanho desprezo e desconsideração pela vida dos seus concidadãos, fazendo-os arriscar a vida na travessia de uma simples estrada. A eles e aos seus filhos, como foi o nosso caso. E em 4 situações distintas.

Porque somos tratados de uma forma quando vamos a conduzir o nosso carro, mas somos completamente desprezados quando o estacionamos e passamos a ser peões ou ciclistas? A mesma pessoa é tratada como cidadão de primeira enquanto condutor de um automóvel mas é tratado como cidadão dispensável quando anda a pé ou de bicicleta?

Deixo-lhes estas questões.



Para rematar:


Todos os anos são mortas mais de 500 pessoas nas ruas e estradas do país. Apesar de parte dessa responsabilidade ser dos condutores, pois são eles que vão aos comandos do automóvel, a isso junta-se uma rede viária muito deficitária no que toca a medidas de acalmia de tráfego (estes cruzamentos são um exemplo disso) ou mesmo com erros graves de projecto. Por muito que se cumpram regras e por mais cuidadosos que sejamos, se o cruzamento potencia desastres estes irão certamente acontecer. E quanto maior a velocidade no instante da colisão, mais graves as consequências humanas. Daí a urgência de medidas de acalmia de tráfego (redução de velocidade) para TODOS os intervenientes num dado cruzamento. Sejam eles peões, ciclistas ou automobilistas.


Só mexendo nos pontos negros (ou com probabilidade de o serem) se reduz a perto de zero a possibilidade de daí saírem feridos graves ou mortos. É isso que se faz em diversos países do mundo civilizado, que já reduziram bastante a sua taxa de sinistralidade rodoviária "mexendo" na geometria das vias e/ou adicionando-lhes medidas de acalmia de tráfego.


Termino relembrando que a esmagadora maioria dos peões e ciclistas são também automobilistas, pois muitos têm carta de condução e carro, pelo que as medidas que aparentemente nos prejudicam enquanto condutores, salvaguardam-nos as nossas vidas e as dos nossos filhos, enquanto peões ou ciclistas.


 Boas viagens em bicicleta. Em segurança !

   P. Guerra dos Santos


 

Mapas e tracks GPS da Rede Nacional de Cicloturismo disponíveis aqui »

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