Pedalámos desde Sernada do Vouga até às Termas de São Pedro do Sul, num passeio de 100 km (50 para cada lado) pela antiga Linha do Vale do Vouga, o canal ferroviário que até 1990 permitia viajar em comboio de Espinho (e de Aveiro) até à cidade de Viseu.
Texto e fotos: P. Guerra dos Santos
Ecopista do Vouga, próximo de Vouzela.
Já é sabido que Portugal perdeu, nos últimos 30 anos, cerca de 1000 km de via férrea que isolaram da Rede Ferroviária diversas capitais de districto. Viseu foi uma das que mais perdeu, sendo que tinha duas linhas de comboio com início e fim bem perto do centro da cidade. Uma delas foi já totalmente reconvertida em Ecopista - a do Dão - mas a outra continua a ser uma manta de retalhos. De caminhos de pé posto a asfalto, não se pode dizer que os 50 km que unem Sernada do Vouga às Termas de São Pedro do Sul sejam monótonos, sendo que a situação mais catastrófica é mesmo no centro de Oliveira de Frades, onde o antigo ramal simplesmente desapareceu debaixo de asfalto, prédios, ocupação por privados e até desmantelamento e reconstrução noutro local do edifício da antiga estação de comboios.
Mas vamos por partes.
Começámos o passeio na Estação de Comboios de Sernada do Vouga. Para aqui chegar é super simples: na estação de Aveiro (Linha do Norte) apanhamos o comboio de via estreita conhecido por estas bandas como o "Vouguinha". É uma unidade dupla a diesel, que permite levar algumas bicicletas. Por ser um comboio regional há que pedir autorização ao revisor para entrar com as bicicletas, sendo que o bilhete é adquirido já dentro do comboio. Custa €3,35 e existem 8 comboios diários, em cada sentido (excepto aos domingos e feriados, em que há menos). A viagem, que dura pouco mais de 1 hora é, per se, um belo passeio turístico onde ainda é possível baixar a janela para colocar a cabeça de fora. Se o fizer, cuidado com os ramos das árvores.
Estação de comboios em Sernada do Vouga e restaurante/bar.
Chegados à estação terminal (era daqui que seguia a linha até Viseu) continua a experiência ciclo-ferroviária, desta vez no Bar da Estação. São muitos os elementos pendurados nas paredes, alusivos aos temas bicicleta e comboios. Se chegar pela hora do almoço, há diárias a €7,00 e ainda se arrisca a almoçar ao lado dos ferroviários que por aqui trabalham nas oficinas, bem como dos maquinistas e revisores que por aqui se refrescam antes de regressarem a Aveiro. Está aberto todos os dias do ano, excepto no dia de Natal e de Ano Novo.
Vamos então às pedaladas.
O arranque faz-se em asfalto junto à antiga estação, uma vez que os primeiros 2 km foram convertidos numa estrada de acesso local, sendo que já só na aldeia do Carvoeiro se pisa pela primeira vez a Ecopista, aqui em macadame (ou terra batida). Mas não se assuste, o tráfego é reduzido e de velocidade moderada. Uma vez que estamos no concelho de Águeda (este município tem menosprezado esta infraestrutura) irá pedalar em terra e alguns troços terão mesmo um aspecto algo abandonado.
Ecopista do Vouga, concelho de Águeda.
Não se admire se, por diversas vezes, der consigo a pensar que está na Austrália, pois irá avistar grandes extensões de plantação de eucalipto. Nos últimos 40 anos os pinhais, os carvalhais e as zonas de cultivo de cereal foram totalmente destruídos para dar lugar à monocultura intensiva e extensiva desta espécie invasora, introduzida pela mão do Homem. Portugal tem, de resto, cerca de 30% da sua área florestal coberta com esta árvore. No concelho de Águeda, e nos concelhos vizinhos, essa percentagem ronda os 100%.
Ecopista do Vouga, a atravessar o concelho de Sever do Vouga.
E eis que chega o quilómetro 4.7, onde o pavimento começa a ser asfaltado. Acabámos de entrar no concelho de Sever do Vouga, um dos 2 únicos que investiram, à data, na reconversão desta infraestrutura numa Ecopista digna do nome. Em pouco tempo chegamos à Ponte do Poço de Santiago, uma belíssima estrutura de pedra com mais de 100 anos. E é aqui que começamos verdadeiramente a subir, ainda assim com inclinações médias de 2.5%. Lembre-se que iniciou o passeio sensivelmente à cota 25m e irá pedalar até aos 420 metros de altitude, pico este que se alcança já próximo de Oliveira de Frades.
10.3 km depois de ter arrancado de Sernada do Vouga chegará a Paradela. A antiga estação de comboios foi recuperada, tendo agora um café com esplanada onde deverá refrescar. Mesmo ao lado, na estrada, tem também uma padaria/pastelaria. Sugere-se que aproveite, pois até Oliveira de Frades (ao km 35) não terá mais nenhum ponto de apoio, excepto se quiser sair da ecopista procurando cafés em alguma localidade.
Siga depois viagem, agora em subida. Até Cedrim será sempre em asfalto sendo que aqui termina o concelho de Sever do Vouga e começa o de Oliveira de Frades. Entramos de novo em terra batida passando por alguns locais onde temos pontualmente de sair da ecopista por estar ocupada com construções ou com o piso em mau estado.
Baloiço junto ao miradouro para a Albufeira da Barragem de Ribeiradio.
Ao km 16.3 podemos fazer uma pequena saída para ir visitar o baloiço construído no miradouro com vista para a Albufeira da Barragem de Ribeiradio. Merece alguns minutos de contemplação e claro, um auto-retrato para publicar nas redes sociais. Cuidado ao atravessar a EN16, pois está em zona de curva e a visibilidade é reduzida.
Gastronomia
"Os pregos d'A Viela são tão deliciosos, que o track GPS da secção 8.2 da Rede Nacional de Cicloturismo foi propositadamente alterado para levar os viajantes em bicicleta a passar por lá."
Pelo caminho, porque a noite anterior foi de vento forte, encontramos árvores caídas. São os troncos de sobreiros e pinheiros ardidos em anos anteriores que apodreceram em pé e agora estão tombados na ecopista, cortando-a na totalidade. Com alguma perícia abrimos caminho e lá passamos.
Em diversos locais ao longo da berma da ecopista vêem-se já as novas valetas de drenagem, acabadas de colocar. Fazem parte da obra que pretende transformar esta infraestrutura ciclável na mais longa do país, unindo à Ecopista do Dão. Pelo andar da carruagem (a expressão aqui encaixa que nem luvas) lá para 2030 deverá estar concluída.
Depois de passamos por alguns túneis, com entre 20 a 50 metros de extensão, por duas pontes e um parque industrial lá entramos em Oliveira de Frades. Entramos é mesmo o termo correcto, pois saímos da ecopista porque esta simplesmente desaparece. Nesta vila beirã parece que não se gosta da história ligada aos caminhos de ferro.
Mas nem tudo está perdido. Porque estamos na hora de almoço, aterrámos por mero acaso n'A Viela, um restaurante onde, para grande surpresa, comemos os melhores pregos das nossas vidas. Acompanhados de batatas fritas, caseiras, e regados com uma cerveja preta de pressão, das boas, ao qual se junta a enormíssima simpatia de donos e empregados.
Os pregos d'A Viela são tão deliciosos, que o track GPS da secção 8.2 da Rede Nacional de Cicloturismo foi propositadamente alterado para levar os viajantes em bicicleta a passar por lá e a degustar esta maravilha da gastronomia local. Talvez não seja alheio o facto de, do outro lado do Vouga, se avistar a Serra da Freita onde são criadas ao ar livre as famosas Vacas da raça Arouquesa.
Esplanada do Restaurante A Viela. Oliveira de Frades. Encerra às terças-ferias.
Um pouco mais pesados no estômago, mas mais leves na alma, seguimos caminho. O que nos vale é que agora é praticamente sempre a descer até às Termas.
É já ao km 41.5 deste passeio que voltamos a entrar em asfalto, pintado de verde. Estamos no concelho de Vouzela, município que já há vários anos apostou na remodelação desta infraestrutura. À entrada na vila passamos pela belíssima ponte ferroviária que nos oferece uma alargada perspectiva da malha urbana e permite visitar uma antiga locomotiva a vapor que por lá ficou estacionada. Depois de contornar um prédio construído mesmo em cima do antigo corredor, passamos pela estação de comboios, agora aproveitada para dar apoio ao terminal rodoviário.
Rede Nacional de Cicloturismo
EDIÇÃO 2023 JÁ DISPONÍVEL
Já está disponível EDIÇÃO 2023 da Rede Nacional de Cicloturismo, agora com VÁRIOS roteiros de diferentes temáticas para viajar em bicicleta por todo o país.
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Continuamos o passeio e já perto do final voltamos a pedalar em terra, ziquezagueando para perder cota suavemente. Logo após passar por baixo de um fresquíssimo carvalhal acaba-se a ecopista, cortada pela variante à EN16. O curioso é que esta variante não só conseguiu isolar a antiga estação de comboios da ecopista, como ainda obriga os viajantes a passar por uma espécie de "esgoto" mesmo por baixo desta via automóvel para descer às Termas de São Pedro do Sul. É esta a porta de entrada para esta estância termal para quem chega aqui de bicicleta e vem usufruir de uns vapores de enxofre.
Carvalhal próximo das Termas de São Pedro do Sul.
Depois de instalados e para recuperar energias, jantámos na Adega do Ti Joaquim, onde meia dose dá para duas pessoas e ainda sobra comida. No dia seguinte fizemos todo o caminho de volta, de regresso a Sernada do Vouga. E claro, parámos de novo n'A Viela em Oliveira de Frades para reforçar com uns pregos.
Assim que ao obras estiverem terminadas, faremos um artigo sobre a Ecopista do Vouga entre as Termas de São Pedro do Sul e Viseu.
Excelente descrição
S. Pedro do Sul, Real das Donas (ligeiro desvio pela estrada municipal - 400 m), Moçâmedes até pouco para além de Bodiosa, está tudo muito bem. A partir daí, entra-se na nacional 16 e ainda não sei onde segue a ecopista. Se alguém souber informe. Obrigado
Boa tarde Paulo Santos
Seria pedir muito que me enviasse o track Gpx desta ecopista tenciono fazê-la na próxima sexta feira, o meu mail: jk.fonseca@sapo.pt
agradeço desde já
Cumprimentos
Parabéns pelo relato pormenorizado. Dá para ver que com a minha bicicleta de estrada não terei hipóteses de usufruir deste belo passeio, mas é a única que tenho.
Outra sugestão de almoço em Oliveira de Frades (mesmo a jeito para quem sai de Albergaria a meio da manhã): O Solar, que tem uma esplanada no jardim muitíssimo simpática